segunda-feira, 16 de junho de 2008

As Pessoas na Centralidade do Capital




Transformações e demandas do mundo do trabalho

Sem dúvida nenhuma que as relações de trabalho, bem como a gestão de pessoas vêm passando por transformações orientada para o capital. As principais mudanças foram iniciadas pelo taylorismo e fordismo e até os dias de hoje podemos destacar o toyostimo como o mais recente paradigma do trabalho, onde por mais que seu modelo de gestão norteia a flexibilização, este também liofiliza as pessoas (Antunes).
No início do século XX o indivíduo dificilmente chegara a ser pessoa no contexto das organizações, numa época em que o controle de tempos e movimentos enaltecia o capital, o indivíduo vivia numa espécie de camisa de força tendo atracado de vez seus desejos de ser mais que um animal , pois até um primata poderia exercer suas atividades (A classe operária vai ao paraíso). Neste sentido, o taylorismo também foi uma proposta unívoca de desenvolvimento para o Estado, propiciou à industria americana um grande salto para o desenvolvimento e ancorou patamares de produção e especialização que mais tarde o fordismo viria tornar ainda mais legítimo a serviço do capital. Numa época se de um lado a produção em escala ancorava o capital, do outro, a produção científica estava em alta.
Por volta dos anos 40 e 50 passou se estudar o comportamento do ser indivíduo promovendo–o para o ser “pessoa”. O ser “pessoa” é mais complexo, é um ser com demandas internas orientadas pela psicologia, economia, biologia, antropologia e sociologia. Nesta pessoa reside um comportamento de difícil relação e deciframento propiciando uma queda de braço - de um lado a organização cuja racionalização é econômica e dominante, e do outro a pessoa que reivindica direitos depois de ter vivido quase quarenta anos como um “robô alegre” às custas da acumulação de capital.
O surgimento dos primeiros movimentos sindicais - direitos do trabalho e ampliação de benefícios é a resposta ao ser pessoa que começava a conquistar algum lugar transcendente na organização e sociedade. Contudo, por volta das décadas 70, 80 e 90 o mundo presenciou mudanças sistêmicas que provocaram fortes transformações sociais e no mundo do trabalho tais como; globalização da economia, instabilidade social, política e econômica, enxugamento das grandes organizações, flexibilização, downsizing, fusões e aquisições de empresas, desemprego, enfraquecimento dos sindicatos e degradação das condições de trabalho. Se de um lado o capital era intenso, do outro, o mundo trabalho estava enfraquecido, tendo como conseqüência o surgimento de tensões e contradições em torno da valorização das pessoas e simultaneamente a informalidade, desemprego, terceirização e subcontratação.
Creio que o grande desafio das organizações é ajustar seus interesses aos interesses da pessoa, nesse sentido pode-se dizer que a pessoa caminha para um ser cada vez mais multifacetado, fragmentado, mas que também, estará focada para o capital, uma vez que este garante o seu reconhecimento sócio – econômico.
Segundo Braverman, a organização é controladora do Estado e Sociedade, possui domínio nessas relações e amplifica seus esforços em prol da acumulação de capital. No capitalismo não é o trabalho que fica reduzido, mas são as pessoas que o realizam em função de submeterem à própria violação de caráter (Mills 1973).
As revoluções industriais do capitalismo marcaram a história por fortes mudanças no mundo do trabalho, trouxe como eixo central do seu desenvolvimento, o trabalho a qualquer custo, de um lado a organização que sobrepunha seus interesses ao da pessoa, e do outro, um indivíduo estacionado no lado do pêndulo que menos pendia, fato este ocorrido no início do século XX nos Estados Unidos (Fordismo) e Japão (Toyotismo). No entanto, atualmente estamos revivendo paradigmas do trabalho que pareciam estar ultrapassados como fordismo e, a exemplo da China, o fordismo está presente em seus chãos de fábrica, ou melhor, em seus “chãos fábrica a céu aberto” que garante o atrofiamento da pessoa e o desenvolvimento do indivíduo e capital. Afinal, que paradigma dominante está presente na China? Neo-toyotisimo ou Neo-fordismo? Será que a resposta continuará nos “ismos” ou inovará com “neos”? Creio que seja difícil prever efetivamente que transformações o mundo do trabalho terá no século XXI. No entanto, uma coisa parece não mudar - a univocidade do capital como processo peremptório das mudanças sócio-econômico, ou seja, ainda que as pessoas alcance níveis de reconhecimento e satisfação no trabalho e que o sentido de ser “pessoa” seja cada vez mais ampliado e valorizado nas organizações, a mão invisível do capitalismo como pano de fundo se moverá continuamente em direção do poder (capital), controle e influência sobre as pessoas.


Desafios da Gestão de Pessoas e a Reformulação das Relações de Trabalho

Durante décadas o trabalho não percebeu a ausência do seu valor intrínseco (Mills), pois o sentido do trabalho para Freud e Max é o trabalho que realiza a pessoa da dimensão criativa, da exposição de potencialidades. A centralidade do trabalho na vida das pessoas se degradou e reduziu o próprio sentido da pessoa. Onde efetivamente as pessoas resgatarão o sentido do trabalho? No lazer? Será que a esfera do lazer não é uma forma ilusória de liberdade?
No tocante geral, o RH passou ao longo de sua trajetória reconfigurando as pessoas para o mundo do trabalho, as pessoas eram doutrinadas em prol dos interesses da organização em troca de pacotes de benefícios que mais tarde não seriam mais suficientes devido à esfera social da pessoa ter sido esquecida no tempo.
Não se reconfigura o comportamento das pessoas, a reconfiguração é do trabalho sobre as perspectivas das pessoas, é preciso ampliar o pacote de benefícios que contribua para construção e valoração social, econômica, psicológica etc.., reconfigurar o trabalho e não as pessoas, é permitir a compatibilização do progresso do capital e social, ainda que ambos assumam interesses fins antagônicos, a reconstrução do trabalho pode recuperar o sentido intrínseco do trabalho para a pessoa. No entanto, creio que as organizações como IBM e GM tiveram seus pacotes de RH ampliados e orientados para recuperação do valor intrínseco do trabalho e valoração da pessoa enquanto um ser biopsicosocialecononômico.
Outro fato relevante a destacar, é que de nada adianta reconfigurar o modelo gestão de pessoas sem antes termos uma proposta efetiva de “regulamentação” das relações de trabalho. As dimensões das relações de trabalho em nível micro (empresa), meso(setor), macro(governo) global(globalização) devem ser discutidas no sentido estratégico, promovendo a compatibilização da negociação do trabalho e capital, sob a responsabilidade dos agentes (players) de promoverem democratização e civilização nas relações de trabalho.
A gestão por competências passa a exercer um papel fundamental no planejamento estratégico organizacional. Neste contexto, a pessoa ganha um novo formato para lidar com os desafios, possui saberes e conhecimentos, transforma as ações em resultados, prioriza o relacionamento e interação, age dentro de parâmetros éticos e sociais, aprende continuamente com a resolução do evento e comunica suas realizações.

Principais mudanças na Gestão de Pessoas
Em razão das transformações do mundo do trabalho e do cenário econômico-social mundial, os modelos de RH e Gestão de pessoas passaram por transições como resposta a um ajuste aos cenários turbulentos, de períodos radicais, e formou correntes em direção de dimensões que marcaram todo um processo histórico das pessoas na organização. Assim, classificam-se as grandes correntes sobre gestão de pessoas, são elas: modelo de gestão de pessoas como de departamento pessoal, gestão do comportamento, gestão estratégica e competências. Vejamos as características de cada uma delas;

Departamento Pessoal
O principal objetivo dos gerentes de pessoal era estabelecer um método pelo qual pudessem obter uma extensa e diversificada massa de candidatos a emprego sendo eficiente e ao melhor custo possível. Nesta época (EUA) aproximadamente em 1920, o sindicalismo não havia se desenvolvido neste novo contexto de organização e a força de trabalho era fortalecida pelo grande contingente de migrantes. Neste modelo de gestão é notório que o indivíduo era visto como um instrumento matemático de produção para a lucratividade da empresa e muito embora a administração científica era bastante compatível com este modelo, ou seja, voltado para a eficiência de custos, a administração de recursos humanos avançava para o estudo do comportamento humano orientado pela psicologia.

Gestão do Comportamento
A gestão do Comportamento teve sua origem nos anos 60 a partir de um grupo dissidente da Escola de Relações Humanas que recusava a concepção de que a satisfação do trabalhador gerava de forma única a eficiência do trabalho. A gestão do comportamento defendia a valorização do trabalhador em qualquer empreendimento baseado na comprovação experimental, em oposição ao subjetivismo da época, mas concentrando-se no indivíduo, estudando o seu comportamento (aprendizagem, estímulo e reações de respostas e hábitos, etc.) de uma forma concreta, e não através de conceitos subjetivos e teóricos (como sensação, percepção, emoção, atenção, etc.). Tendo sido bastante influenciado por estudos comportamentais em outros campos da ciência, procurou adaptar tais estudos para a administração, fornecendo assim uma visão geral do que motiva as pessoas a se comportarem de determinada forma. A abordagem da gestão do comportamento surge então como tentativa de sintetizar, ou harmonizar a teoria da organização formal com enfoque nas relações humanas.
Em virtude da congruência, a abordagem behaviorista é, no fundo uma abordagem antítese em relação a Teoria Clássica e sua tese sobre organização formal, bem como crítica ao "modelo de máquina” imposto pelo taylorismo.

Gestão Estratégica e Competências
Entre as décadas de 70 e 80, a gestão de pessoas passou a se ajustar às mudanças do ambiente, devido ao fenômeno da globalização e conseqüente transformações socioeconômico, trouxe as pessoas para a base do planejamento estratégico das organizações. Fato este, que originou a ruptura com o estudo do comportamento da pessoa concomitantemente a legitimação das pessoas como recurso estratégico de competitividade.

A Importância das pessoas na organização sob contexto da estratégia

Certamente um dos grandes entraves enfrentados pelas organizações é de manter seu pessoal orientado para o seu sucesso a todo tempo. Neste sentido, o comportamento e a estrutura organizacional devem ser elementos facilitadores do pensamento e ação estratégica da organização e não rígidas barreiras que impactam ou retardam seus objetivos. Para Robbins (2002:503) a cultura organizacional cumpre várias funções no seio de uma organização: define os limites; transmite um sentido de identidade a seus membros, facilita a criação de um comprometimento pessoal com algo mais amplo que os interesses egoístas do indivíduo; e, estimula a estabilidade do sistema social.
Antes que a organização detenha efetivamente as competências essências para competir, são as pessoas que formam a base do conhecimento dessas competências, portanto, é importante identificar e mapear as competências individuais e coletivas que possam se ajustar ou desempenhar um papel peremptório no sucesso das ações estratégicas da organização. Segundo Nonaka e Takeuchi (1997), a informação é um fluxo de mensagem e por meio dela não só se extrai como também constrói conhecimento. Ainda que tenhamos um olhar crítico para as escolas francesa, americana e brasileira sobre competências, a gestão de competências é o processo sistemático de administração do capital humano organizacional que tem seu foco na gestão entre pessoa e empresa alinhada às necessidades estratégicas, seguindo os preceitos e a filosofia da organização que aprende (Senge). Assim, as empresas deverão apresentar respostas para as seguintes perguntas; que competências são necessárias para competir e como geri-las de forma ética contribuindo para o desenvolvimento do capital e social?
Segundo Prahalad e Hamel as principais características das competências essenciais da organização são; abrangência coorporativa, estabilidade de tempo, aprendizagem ao fazer e locus competitivo e que, as habilidades e tecnologias devem habilitar a organização a fornecer valores aos seus clientes. Neste sentido, pode-se afirmar que as competências das pessoas devem resultar numa força motriz para alavancar a estratégia competitiva da organização sob os aspectos da excelência operacional, inovação no produto e orientação para o serviço.

Conclusão
Com base no que já vimos anteriormente sobre a trajetória das pessoas nas organizações e as transformações do mundo trabalho, social e capital parece não caminhar por muito tempo juntos. Infelizmente parece ser consenso entre diversos autores que o maior fator crítico de sucesso entre as esferas; da pessoa, da organização e social é sua compatibilização, democratização e civilização.
O capital por muito tempo permanecera como iniciador das mudanças sociais, econômicas e políticas, porque sua legitimação está impregnada no âmago da sobrevivência e do enriquecimento seja das pessoas ou das organizações. Portanto, conforto e facilidade não são palavras de ordem para legitimar um novo modelo de gestão, modelo este, que desenvolva continuamente a pessoa, que a valorize socialmente, que a reconheça como um ser de ocupação central e não periférica e que esteja amparado por uma regulamentação efetivamente sustentável orientada para o progresso do capital e social.

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